Por Bruno Fleming

sábado, 9 de junho de 2012

BIGODE DE LEITE


Lambe Lodo Records apresenta: "Bigode de Leite"
Concepção, músicas, letras e produção por Bruno Fleming.


 Bruno Fleming


"Algumas horas foram tão bonitas
que queria apenas tocá-las
de novo cristalizadas
transformadas em bolas de natal
mesmo que desbotassem com o tempo
uma vez por ano eu as teria penduradas.
Enfeite, deleite"



por Paula Lombardi.

BIGODE DE LEITE

DISCO 01 - SEMENTE DE ROMÃ




BIGODE DE LEITE
DISCO 02 - SEMENTE DE ROMÃ


DOWNLOAD SEMENTE DE ROMÃ: http://www.mediafire.com/?lb6a71pfo3nc605
DOWNLOAD FOLHA DE HORTELÃ: http://www.mediafire.com/?wb54ww5ncbqsawk




SEMENTE DE ROMÃ

Foi1 em dia de chuva. Dona Chica inda nem tinha rugas!
Meio-dia dourado. Seu Sebastião inda era soldado!

(A Vizinhança): - Viva Dona Chica! Nove meses, é menino ou é menina?

É vida nova.
Vespertina brisa soprava da janela sorte pra barriga da mãe.
Mil novecentos e preto e branco...

(A Família): - Bebê, seja bem vindo ao teu lugar!
(O Porteiro): - Tua cidade tem ruas de grama!

Noite de enxurrada, num barco de papel veio a vizinhança.
Era noite de (fé) festa! Um brinde para os pais e palmas para ela, a mãe.
Mil novecentos e preto e branco...

(O Doutor): - Bebê, seja bem-vindo ao teu lugar!
(O Bêbado Amarelo): - Tua cidade tem ruas de grama!

Veio menino a respirar.
De bucho azedo e nome Totó!
Tão pequenino em berço de quem deita tranquilo pro sonho que vem.
E2 assim ele nasceu: amarelo, magrelo, pulmão de aço e contente, banguelo e sorridente.

(Seu Sebastião): - Fixos os olhos, é tudo seu: Vó Sinhá, Tia Anita e Tio Dirceu!

E assim ele cresceu, bem vermelho o cabelo, dente torto e chorão quando alguém falava não!
E a tal cidade é linda e minha!
 Avenidas pra correr descalço a pisar em grama de nascer pomares pra deitar.
E assim ele viveu, azulado na vida, cheio de entusiasmo, aprendendo com o acaso.

(Dona Chica): - Fixos os olhos, é tudo seu: Seu Garcia, Túlio e Matheus!

E a tal cidade é linda e minha!
 Um grande abraço em você é casa boa pra ficar, é amizade de saber quando é pra cuidar.
Bairros tão familiares, prédios que me lembro bem da arquitetura de morar um sonho mais além.
Quando a amizade é linda e vinga, tudo3 fica melhor, o mundo fica melhor.
Tudo vira tinta pros olhos de Totó. (Pintura em movimento).
Porque dar as mãos é importante, e olhar nos olhos é bom para ver o outro.
O meu olho é meu pincel quando passarinho.
Minha tela é minha vida se contigo.
Quanta tinta em nossos dias cara amiga, cidade minha.

(Totó): - a-e-i-o-u...

O olhar de criança desenterra esperança daquilo que ela olha.
O olhar de criança criará esperança naquilo que ela pintar com os olhos.
Naquele4 tempo, o tempo é que esperava pela hora do menino de dizer.
Ele escolhe, ele é o rei!
Naquele tempo os anos se contavam pelas cores dos aromas que pairavam no ar.

(Totó): - Mamãe, papai! Já sei falar e ler um pouco!

Aquele tempo é agora quando eu relembro como era bom viver.
Tempo-mundo! Viver é melhor que sonhar, sonhar é melhor que viver.

(Totó): - Não sei olhar no relógio não, e meu velotrol é muito massa!
Tenho quatro anos e já sei comprar pão! Vô Geraldo me dá balas de brinde!

Correr sem pressa pra buscar o pão, porque o bom é o correr!
Demorar no banho pra virar herói!

(Totó): - Ninguém destrói o “menino-peixe”!

E viva o tempo amigo!

(Totó): - Se minha bola cai no quintal de Bebé, tenho muito medo de pedir de volta...
Bebé é bruxa!

Domingo à tarde, passeio de balão!

(Totó): - Zé Canarinho leve-me contigo para as nuvens de algodão!

Um segundo pra dizer:

(Totó): - Amo vocês!

E a vida inteira vai bem!
É devagar que eu vou lá visitar a mim mesmo e dizer: viva o tempo amigo!
Daquele mundo tiro o meu sustento, perco o medo e o receio de continuar
 meu trabalho de fazer eu menino crescer bem.
E5 pra crescer vamos lembrar Seu Veludo Pasteleiro
em canção de cantar saudade carimbada em meu peito.
E que canção é essa? Quanto tempo sem você...

(Totó): - Boa noite Seu Veludo! Hoje tem pastel de quê?

Depois6 de dez pastéis, nove caçulinhas, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois puns...
Vamos para o parque passar mal no carrossel e no bate-bate de latão!
No parque do Seu Quis os brinquedos são de ferro-velho,
parafusos e chassis, rodas tortas, pinos e pregos...

(Totó): - Papai já virou Sargento e me leva em seu ombro, e mamãe pelas mãos, através do reino da sucata do Sr. Quis das ferrugens coloridas dentro do caos que ele organiza com seu lindo dom.

No parque do Seu Quis tudo é de ferro-velho.
Todas as crianças pedem bis com medo do Bêbado Amarelo.
O7 Bêbado Amarelo conta um bolo de dinheiro velho...

(Totó): - Me esconde dele!
(Seu Guarda): - Ladrão, se renda já!
Que pena que te viram fugindo e chorando, levante do chão!
Para o ar além, vai bem! Rastejante (tão sujo), me dê a mão!
Haverá mais alguém que te queira bem.
E estará em pé também!

Sol a pino e asa-delta voando sobre teu chapéu! Papagaio e rabiola no céu!
Ultra-leve lá de cima faz chuva branca de papel! Mas que beleza!
Um avião desenha lá, lindos riscos no teto do céu donde caem pingos e donde erguem bandeiras
cantando seus hinos: besouros, grilos e abelhas...

(Seu Guarda): - Para o ar além vai bem! Rastejante (tão sujo), me dê a mão!
Haverá mais alguém que te queira bem. E estará em pé também!

Em plena segunda-feira o Amarelo e a cerveja nem8 imaginam que o ar já pesa.
Nem imaginam que os jornais já rezam os rumores das ruas, e os cochichos das velhas
anunciando que entraremos em guerra, pelo céu e pelo mar.
Pela janela Vô Geraldo assovia: é hora de voltar pra dentro de casa!

(Totó): - Ei pai, que guerra é essa? Ei mãe, que guerra é essa?

Nem imaginam que já há uma carta que vem convocar Seu Sebastião pra guerra!
E as crianças trancadas, e os poetas em fardas anunciando que o dia trará trevas e lágrimas;
 soldados janotas em polichinelo escorrendo o nariz, lutarão pelo país...

(Totó): - Bebé, que guerra é essa? Zé Canarinho, que guerra é essa? Ontem lá em casa na família tudo9 ia muito bem até surgir aquele cheiro de adeus distante...

Sem graça o palhaço cai, todo mundo cai de rir, mas ninguém sabe que é porque soltaram os leões!
Pássaro sem asa, bico fincado no chão, era Sebastião indo pra guerra...
Guerra de balões no céu!

(Seu Sebastião): - Preocupe não, já sou Capitão!
Perigo eu mato no grito ou não me chamo Sebastião!
(Tio daqui): - Quanto tempo ficará longe do menino e de Dona Chica? Me diga!
(Tio de lá): - E se não voltar? E se não voltar como fica a família?

Fruta sem água caiu do galho no chão, era Sebastião indo pra guerra...
Guerra de gigantes no céu!

(Seu Sebastião): - Preocupe não, voltarei em breve!
E o que será da morte se eu disser que não, não e não?

Homem sem casa, vida levada em vão, era Sebastião indo pra guerra.
Guerra de grandes poetas no céu!

(Seu Sebastião): - Para10 a batalha levarei meu chá e meus soldadinhos de chumbo que me consolam! Meu Parangolé me protegerá contra as balas dos americanos que nos incomodam! Ei Dona Chica, não vá se preocupar, sempre mandarei notícias da Gringolândia!
 (Porteiro): - Abram alas, sacudam as bandeiras, aí vem a nossa tropa!

Dez balões remendados, nove soldadinhos magros, um capitão desarmado, super-heróis desastrados.
E toda a cidade lá atrás acenando!

(A Cidade): - Adeus! Adeus! Adeus...

***

Carta de Seu Sebastião da guerra:
“Aos12 queridos Totó e Dona Chica: Paz e amor!
No escuro da guerra, atingidos por um balão Americano vermelho, branco e azul...
Prisioneiro que sou, suportarei toda dor!
Tentarão me fazer falar, pois bem saberei me calar...
No calor dessa guerra, dentre tantos feridos soldadinhos magros, aqui vos fala mais um...
Mas apesar dos rumores, somos os vencedores!
Tentarão me fazer chorar, pois bem saberei me segurar.”

Assinado: Seu Sebastião.

      Vai13 balãozinho de São João, sobe e leve um beijo pra Sebastião!

(Totó): - Pai, volte logo da solidão, estamos como a fome está para o pão!
(Tio daqui): - Paizão se deus quiser voltará da guerra são e salvo a chorar a vitória!
(Tio de lá): - Sei não, trem que é bão não trás má notícia!
(A Empregada): - Atenção, acode a bandeira!

E o maquinista entrou na sala e leu a nota:

(O Maquinista): - Seu Sebastião bateu as botas!
(Totó): - Papai, não vá tão cedo, que medo... papai não vá tão cedo, que medo...

Esse é o samba mais triste.

(O Padre): - Capitão14, para te velar também vieram: Iáiá, Silas, Valdemar, Enos,
Bebé, Seu Zé Canarinho, Seu Quis, Seu Veludo. Veio Seu Dito do Leite, Ivo, Carminha,
Onofre & Amélia, Mulero & Nezica.
(Seu Veludo, o Pasteleiro): - Sagrada15 fé cura!
(Zé Canarinho, o Barbeiro): - Sagrada fé mostra!

Vai vivendo mãe sem marido e filho sem pai.
Vida simples, arroz com feijão.

(Seu Dirceu, o Sorveteiro): - Sagrada fé sempre!
(Seu Quis, o Inventor): - Sagrada fé forte!

Vai vivendo subindo a ladeira do cemitério, viuvinha. Flores na mão.

(Dona Chica): - Boa morte! Voa anjo!

Andar a pé, pedra!
Andar a pé, espinho!
Vai vivendo toda beleza dia-a-dia!
Molequinho, bola no pé!

(Dona Chica): - Boa sorte! Voa anjo!        

         

   FOLHA DE HORTELÃ

Assim1 é. Depois de só cair, cadê? Quiçá você.
Assim é. Depois de não caber chorar, caber você.
Assim é. Querer deitar, dormir, te ver, sonhar você.
Assim é e2 foi em meu mais alto vôo no balanço de pneu.
Sobre o muro da vizinha vi ali você: Valentina!
Tava frio, tava manso, branco junho de descanso.
Um belo tombo do balanço pega o braço e quebra o osso!
Quebrei o braço mas eu vi na altura do não ver, a menina ali descalça, vestidinho a correr!
Veio avô, veio tia, veio também quem eu queria, a priminha da vizinha: pequenina Valentina.
O teu nome em meu gesso: meu primeiro amor!
Teu olhar eu nunca esqueço.

(Totó): - Todas minhas dores viram flores!

Fruta doce, laranjeira de ensinar brincadeira.
Mais um riso, lindo dente e bigode de leite.

(Totó): - Me dê a mão pra eu te levar até minhas amigas e amigos, rodaremos em ciranda até a noite de domingo! Faço desaniversário, tenho algo a oferecer, tive meu melhor inverno e meu presente foi você.

Gira-gira3 até quebrar a ciranda e machucar os joelhos.
Gira-gira de passar merthiolate, e se pensar não arde.
Gira-gira só pra ficar do seu lado e segurar teus dedos.
Gira-gira de bagunçar o cabelo e reparar teu jeito.
Gira-gira segura forte a minha mão, não solte mais: te amo!
Gira-gira de zunzun, de zanzar, de zonzar zonzo.
Gira-gira de sem querer esbarrar, é quase lá, lábio.
Gira-gira de tropeçar na vontade e perguntar. Posso?
Gira-gira abro o olho e lá vem ela me abraçar: ímã.
Gira-gira de rodar sem parar de imaginar como
tudo4 ao meu redor fica leve quando teu beijo bom se atreve.
Uhhhhhhh! Eu e ela! Na piscina do quintal, na varanda, sob o pé de romã!


(A turma): - Adedanha, ahhhhhhh: tá contigo!
(Dona Chica): - Vem almoçar na mesa! Vai esfriar o feijão!
(Totó): - Já enchi meu pandu com bolacha, picolé de Itu e mini-saia!
(A turma): - Traz mais um Seu Dirceu sorveteiro.
(Dona Chica): - Depois de almoçar vê se não corre de jogar pedra em bicho que morde!
(A turma): - Ahhhhhhh: Marimbondo!
(Dona Chica): - Vá se trocar pra missa! E não enrole no banho!
(Totó): - Peraí, já já vou, espera o meu amor terminar de explicar onde que picou.
Uhhhhhhh, cotovelo!

Pena5 que a menina não more na cidade, será que quando for embora saberei como agora?
Olho castanho, castanha infância, sardinha e pele branca, linda na ciranda.
Meu Kichute furado, cadarço na canela, dançando ao lado dela (palhaço da groselha).
Casquinha no joelho, o primeiro beijo, vermelho é meu sangue, teu lábio é flamejante.

(Totó): - Deixo estar assim, leve feito chá que aquece o peito de quem bebe pra melhorar.
Pena que você não more na cidade, será que quando for embora saberei como agora eu sei? Do cheiro da blusa, carinho na nuca, sorriso que cuida!

Estamos aqui, saudoso inverno.

(Totó): - Ela aperta minha mão no parquinho que é de ferro-velho!

Tiro ao alvo e minhocão.
Roda-gigante, roda menina, roda bem vestida de roupa e coração.

(Totó): - Deixo estar assim, leve feito chá que aquece o peito de quem bebe pra melhorar.

Carta de Valentina para Totó:
“Guarde6 o coração, obrigada pelo beijo bom (que não volta mais). Juro que não sei porque, sei que já não posso mais te ver pequenino. Sou linda donzela, sou do mar, sou do ar. Forte e feminina de cair e levantar! Sou árvore pequena mas já tenho sombra boa! Limpa pra beber, lisa de correr sou água limpa. Corro para o mar, subo para o céu, caio onde o vento querer que eu caia! Caro amigo Totó, estou partindo por agora pra bem longe. Obrigada pelo céu, sinto muito pelo ‘não’ mas não dá, só te peço. O bêbado Amarelo beberá e cairá. Um santo branco anjo descerá pra lhe ajudar...”

Assinado: Valentina.


(Totó): - Valentina7 foi-se embora e não pude perceber...
Se ao menos eu soubesse teria vindo aqui pra ver!

Valentina escova os dentes com maçã.

(Totó): - Tudo agora diferente na varanda sem você...
Algo estranho acontece, será que vou me esquecer?

Valentina escova os dentes com maçã.
Tangerina na mochila de manhã.

(Totó): - Se a vida assim me pede, já não posso mais ceder...
Tentarei olhar pra frente e aceitar o que vai ser!

Valentina escova os dentes com maçã.
Tangerina na mochila de manhã.
Argentina de bandeira e coração.

(Totó): - Amanhã8 de manhã ao levantar irei recomeçar sem Valentina...
Amanhã de manhã ao levantar irei chamar todos os heróis, a turma da rua.
Iremos caçar o Boi-da-Cara-Preta e o Úrso-Mole do Julio Cortázar e cada qual irá com sua bicicleta branca levando uma arma de fazer “pinhar-pinhar!”

Mas pra encontrar bichos tão caros de imaginar não há de ser fácil,
pois pra chegar lá é preciso atravessar o quarteirão
por dentro das casas de sagrados quintais protegidos,
cheios de calma.

(Totó): - Amanhã de manhã ao levantar contemplarei os caramujos e o lodo nas pedras.

Observar miniaturas no chão de terra pra ampliar minha cabeça.

(Totó): - Amanhã de manhã ao levantar, saltarei naquele sonho das crianças do mundo de balançar em colos seguros, lugares perfeitos de acreditar na vida sem medo.

E9 levantei, e aproveitei pra brincar em ruas de grama.
E acordei com entusiasmo pra escalar goiabeira.
Hoje faço meu inventário pra guardar memórias raras:

“Tampinha da laranja / semente de romã / bicho da goiaba / folha de hortelã / câmaras de ar /
bóias pra nadar / cloro no cabelo / sunga pra pular / ferrão de marimbondo / ralo da piscina / moleque tão briguento me esperando na esquina / Liga da Justiça / Caverna do Dragão /
Onde está Wally? / Comandos em Ação / lápis e borracha / papel e giz de cera /
cheiro da escola guardado na lancheira / jogo de botão / bola de capotão / futebol na pracinha /
time do Negão / cheiro de naná / vermelho embornal / cortina do Pinóquio / crochê da Vó Sinhá / pote de arnica  serrote do porão / passarinho colorido que muda de estação /
escuro do meu quarto / medo do palhaço / entro mas não vejo um nó no meu cadarço /
sacolas estampadas / na hora do almoço / no mercadão antigo cada passo um cheiro novo /
alçapão de pombo feito com um balde preto / barbante que estica até a janela do banheiro /
banco de cimento / colo de Anita / azulejo de alpendre / coração de Dona Chica.”

De10 onde vim é tudo o que sou. Opa!
E pra celebrar tudo o que vi no quintal que me criou, andei, pensei e parei, já sei!
Contar histórias: verdade!
Banho de rio, Minas Gerais, oba!
E pra experimentar mais uma vez tudo o que me ensinou, andei, pensei e parei, já sei!
Guardar memórias: saudade!
Cantar a terra natal: lealdade!

Longe11 da cidade, casinha lá detrás do monte.
Roça pequenina do Vô José!
Todos os ouvidos atentos pra mais uma história!

(Totó): - Conte-nos aquela que reza assim:

“Velho Boiadeiro em seu alazão...”

(Vô Zé): - “É muito ruim de mira, com sua espingarda velha erra até elefante!
É herói farsante mas é o rei da sorte: sempre ganha da morte!”

Quem contava era Vô Zé!
Cheiro de pamonha, doce rapadura mole, suco de mangaba da Vó Sinhá.

(Totó): - Só mais um sorvete, só mais uma história boa, conte-nos aquela que reza assim...
(Vô Zé): - “Dona Helena vai, deixa eu te cuidar linda rosa! Dona Helena lá e eu cá, boiadeiro de mãos machucadas, trabalhador solitário! Dona Helena vai, deixa eu te cantar bossa nova...”


Abram as cortinas, mexam as barrigas em lágrimas de riso que é choro bom!

(Vô Zé): - “Velho Boiadeiro, grande coração!
Luta pela amada e enfrenta o inimigo mal cara-à-cara com a morte!
Um tiro pela culatra raspa a mamangava que voa e pica o bandido bem na garganta!

Quem contava era Vô Zé, tão nobre Vô Zé sentado12 em seu trono de descanso, escravo do cochilo.
Sob a sombra das histórias, sob a sombra dos meninos.
No reino lá da roça tinha pé de bananeira, folha grande, folha forte sempre foi nossa bandeira.
Mas13 acabou a roça do Vô! O homem de terno comprou!

(Homem de terno): - Quanto custa a esperança? Quanto vale o amor?
Olá homenzinho, chore teu destino! Sofra!

Derrubou as bananeiras, o homem que colocou cinco colheres de açúcar sem pedir por favor!
Rabiscou14 a infância. Apagou lembranças.
Levou meus brinquedos! Machucou meus dedos!

(Totó): - Uhhhhhhh, tenha dó! Devolve minha casa!

Desliguei do mundo pra dentro do umbigo.

(Totó): - Uhhhhhhh, tenha dó! Devolve minha casa!

Bilhete para a infância:
“Se15 vai voltar, já nem sei mais, e dói e como! Quem puder estar lá, preze por ela.
Hoje se dissolve em mim, você meus acordes: olé na tristeza!
Infância, não vá! Não bem agora.
Criança do bem, fiquei contente em te ver!
Hoje se dissolve em mim, você meus melhores dias de seguir...
Ainda hoje...
Dale, dale, dale toda fé.
De manhã bem cedo mães beijam seus filhos.
Dale, dale, dale um belo som.
De manhã bem cedo anjos tocam seus sinos.
Ainda hoje teu aceno tão longe... Ainda hoje, despedida tão forte!
Na minha alma teu abraço realengo...
Na minha alma... na minha alma... na minha alma...”                                              
                                                                                                                                                      Assinado: Totó


             
FIM            

Um comentário: